Longe vai o tempo em que a maioria dos cidadãos deste país era desconsiderada por práticas autocráticas de má memória.
Esse foi o tempo do “Zé pagante”, obediente, servil, de chapéu na mão para obter dos serviços públicos algo a que tinha direito, como se de um favor se tratasse.
Foi, certamente, essa visão distorcida do poder que levou Rafael Bordalo Pinheiro, em 1875, a criar a célebre personagem do “Zé povinho” que mais tarde se transformou numa das mais populares caricaturas portuguesas.
Instaurada a democracia, julgava-se que esse seria um símbolo do passado. Mero engano.
Nos últimos tempos, assiste-se a desvarios de personalidades públicas que aguçam o espírito crítico e a capacidade de análise sobre as qualidades dos servidores do Estado.Não estivessemos a atravessar a crise que todos sentem e vêem, e tudo seria de outra forma.
Face ao agravamento da situação, já ninguém acredita que Portugal, pagando embora as dívidas agravadas por juros insuportáveis, sairá deste suplício mais fortalecido nas suas finanças públicas, mais desenvolvido na sua economia e mais justo no seu tecido social.
Estas convicções andam na mente de todos e, talvez, dos governantes mais conscientes. A estes sobram-lhes, certamente, muitas dúvidas, pois com o passar dos meses, a situação internacional não lhes traz uma luz ao fundo do túnel, que reverta a escalada do desemprego e altere a vida de centenas de milhar de famílias que, num curto espaço de tempo, vêem as suas vidas viradas de pernas para o ar.
São tantos os exemplos que o cidadão comum já não acredita que um qualquer D. Sebastião possa voltar do exílio, com um novo projeto de sociedade em que todos tenham pelos menos trabalho e dignidade de vida.
A crise financeira que tocou fundo, primeiro nos países mais pobres e, depois, nos mais ricos, como está à vista de todos, constitui um dos mais bem delineados cenários de guerra para exterminar economias frágeis e pouco desenvolvidas, arrasando valores e direitos humanos que julgávamos intocáveis: trabalho, salário condigno, saúde gratuita, educação e até alimentação. Tudo isto foi posto em causa pelo memorando da troika que afronta a cultura humanista, apanágio da Europa ao longo de tantos séculos.
Historiadores desalinhados das actuais filosofias económicas e políticas, não deixarão de analisar este período da humanidade, fazendo luz sobre os agentes deste descalabro e as suas reais motivações e interesses.
Embora a maioria dos portugueses não conheça em profundidade o compromisso estabelecido com a Troika, vai, paulatinamente, assistindo ao desenrolar das regras impostas pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e o FMI.
Os dois organismos europeus a que nós aderimos, impuseram-nos o garrote do empobrecimento, exigindo despedimentos na função pública, abaixamento de salários, aumentos dos impostos, cortes na saúde e na educação e o mais que a seu tempo se verá, pois com a economia em recessão acentuada, diminui a receita de impostos.
De um momento para o outro, o cidadão comum deixou de ouvir falar de ajudas da União Europeia e de programas que visem diminuir a distância que separa a periferia da média comunitária. Apoios à agricultura por causa da seca, só chegarão no próximo ano; ajudas às pescas já não são prioridade; redes transeuropeias foram adiadas para as kalendas; para a reconstrução de estabelecimentos de ensino e formação profissional, programa “novas oportunidades” e para o ensino e investigação universitários não há verbas que prossigam a lógica acertada do desenvolvimento sustentado.
Temendo que a receita da troika não seja cumprida, nem a dívida paga, governantes portugueses e europeus dizem o sucesso de Portugal virá pela austeridade e pelo pagamento integral da dívida.
Alguém acredita nesta solução? Eu não.
A solução está em honrar o empréstimo, mas a juros mais baixos e justos, num prazo razoável que nos permita olhar o futuro com esperança.
Ao longo da nossa história, fomos governados, tal como agora, por estrangeiros que nos usurparam as energias e capacidades. É tempo de dizer: basta!
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